Você pode até achar que eles estão datados, lembrando a arquitetura dos anos 1980 ou até mesmo uma estética Art Déco que dominou décadas anteriores. Mas a verdade é que os tijolos de vidro têm seu charme e vêm recuperando espaço graças a um novo olhar sobre este material. Sua transparência vem assumindo novas versões e aplicações distintas, presente tanto em projetos residenciais como em grandes obras de uso público e comercial.
Será que a arquitetura vive em ciclos que ressignificam elementos do passado, assim como a moda? É bem provável. E foi por notar este movimento de retorno triunfal dos blocos ou tijolos de vidro que resolvemos fazer este post e mergulhar na história deste material, que promete marcar época – de novo!
Como surgiu?
O arquiteto e engenheiro suíço Gustave Falconnier (1845-1913) patenteou o primeiro bloco de vidro oco na década de 1880. Ele desenvolveu moldes e padrões para o feitio via sopro, a partir de uma vasta experiência na vidraria. O novo material difundia perfeitamente a luz solar, ao mesmo tempo em que mantinha a privacidade por sua translucidez, além de ser leve, durável e possibilitar diversos formatos. Quase na mesma época, em outro continente, os tijolos de vidro também seriam patenteados – nos EUA, durante a Feira Mundial de Chicago.
Antes, em 1845, o nova-iorquino abolicionista e inventor Thaddeus Hyatt (1816-1901) havia desenvolvido um sistema de elementos de vidro redondos fixados a uma estrutura de ferro fundido, que ainda hoje pode ser vista em alguns prédios do Soho, em Nova Iorque. Outras formas de utilizar vidro eram as telhas prismáticas, que também eram aplicadas às fachadas e combinavam cores em padrões. Alguns, inclusive, foram desenhados pelo arquiteto Frank Lloyd Wright (1867-1959), como o Flower.
“A Owens-Illinois Glass Company foi a primeira a dar início à produção em massa de blocos de vidro nos EUA, em 1932, e sua concorrente, a Pittsburgh Corning Corporation, iniciou a produção em larga escala do material em 1938”, indica a pesquisa de Elizabeth Fagans para a Universidade de Columbia.
Os tijolos de vidro artesanais reinariam até o final de década de 1930, quando foram substituídos por blocos de vidro prensado em formatos retangulares ou quadrados, de acordo com o site da Architecture Exhibitions Internacional, que promoveu recentemente a mostra Falconnier. Architecture of Light. Como aponta Elizabeth Fagans em sua pesquisa, uma das últimas utilizações em obras assinadas por arquitetos renomados foi a Villa Schwob (1916), de Le Corbusier (1887-1965).
Atravessando estilos
Presentes em construções com diferentes estilos, os blocos de vidro são incluídos em edifícios Art Nouveau e, depois, se popularizaram nas construções Art Déco e em sua versão tardia, o Streamline Moderne, bem como no Modernismo. Nos Estados Unidos, campo de pesquisa de Elizabeth, o auge dos tijolos de vidro se deu nas décadas de 1930 e 40.
“O uso estético do material tomou dois caminhos distintos: o primeiro foi a aplicação do bloco de vidro em formas volumétricas, paredes e curvas como parte do estilo Streamline Moderne. Esse uso estético foi totalmente inovador e reinterpretou o significado da parede, pois – de um plano estático – a transformou em uma superfície iluminada e com interesse visual. O segundo caminho estético foi sua utilização em superfícies planas, principalmente no interior de edifícios no estilo Moderno. Embora este uso do material tenha sido certamente importante, o bloco de vidro utilizado desta maneira não era crucial para o projeto e poderia ser substituído por vidro plano sem qualquer grande alteração na estética geral do edifício”, conta Elizabeth.
No Brasil, o Modernismo e o Art Déco também fizeram uso dos tijolos de vidro. Obras de Oscar Niemeyer (1907-2012), como a Casa Alberto e Dalva Simão (1954), em Belo Horizonte, bem como o Edifício Germaine Buchard, no centro de São Paulo, assinado por Enrico Brand na década de 1930, são algumas delas.
Se no início dos anos 1970, a oferta de novos materiais de construção e questões de manutenção – como infiltrações – fizeram os tijolos de vidro perderem espaço, essa queda durou pouco. Em 1977, The New York Times proclamava o auge dos glamorosos tijolos de vidro. Por aqui, os anos 1980 e 90 trouxeram um mix de cores e o uso difundido em superfícies exclusivamente compostas por eles ou incorporados como elementos decorativos espalhados pelos ambientes – do piso às paredes. De tão aplicados e popularizados, os blocos em vidro acabaram se desgastando e foram perdendo o valor estético.
O revival
Algumas razões contemporâneas fornecem pistas para o motivo do retorno dos tijolos de vidro. Eles são um recurso interessante para trazer maior luminosidade aos ambientes, são isolantes térmicos por sua dupla camada e ainda podem aproveitar resíduos de vidro em sua fabricação. E agora, mais tecnológicos e versáteis do que nunca, o blocos de vidro vêm reaparecendo em projetos de escritórios vanguardistas, obras para marcas sofisticadas e construções de alto padrão.
Mas se engana quem supõe que o revival seja recente. O fenômeno ‘tijolinho de vidro’ vem ganhando espaço e, bem, podemos provar: seja no restauro de lugares que marcaram época, como no projeto do MK27 para o Bar Riviera, em São Paulo, ou um modo de expressar o futuro em uma loja da Ports 1961, na China, pelo escritório UUfie, esse elemento vem sendo reincorporado à arquitetura faz pelo menos duas décadas.
Projetos com tijolos de vidro versão século 21
2021. Casa Carpina, NEBR Arquitetura, Carpina
Em Pernambuco, o escritório NEBR Arquitetura aproveita as singularidades estéticas dos tijolos de vidro em alguns exemplares de residências que assina. Em 2018, a casa m16, e em 2021, a Casa Carpina (fotos) são duas delas. O projeto da última foi premiado com menção honrosa no 2021 Golden Trezzini Awards, na categoria Melhor Projeto Implementado para Residência.
Na Casa Carpina, os tijolos de vidro com ares retrô são combinados a uma arquitetura de linhas geométricas, com aberturas amplas e fechamentos de vidro que vão do chão ao teto. Contemporâneo com um pé na modernidade e longe do saudosismo dos anos 1980.
2016. Crystal Houses, MVRDV Architects, Amsterdã
Na luxuosa PC Hooftstraat, em Amsterdã, a fachada totalmente transparente da maison Hermès (foto abaixo) se destaca, sem destoar do entorno. Os tijolos de vidro, as molduras vítreas de janelas e as arquitraves de vidro sobressaem e dão leveza e brilho à construção, enfatizando o vernacular da área com o objetivo de manter o caráter estético e cotidiano do endereço.
O escritório MVRDV Architects aplicou tijolos de vidro retangulares, que ora parecem blocos de gelo, ora transmitem uma aura esverdeada sobre a estrutura original de tijolos amarronzados. O edifício conta com 620 m2 comerciais e 220 m2 de habitação e resume a busca da cidade por fachadas ativas e usos múltiplos sem descaracterizar o conjunto arquitetônico.
“As Crystal Houses abrem espaço para uma flagship store marcante, respeitam a estrutura do entorno e trazem uma inovação poética na construção em vidro. Permitem que marcas globais combinem o desejo irresistível de transparência com uma localização fluida e moderna que preserva a herança. [O conceito] pode, portanto, ser aplicado em todo lugar dos centros históricos”, afirma Winy Maas, arquiteto e co fundador do MVRDV, no site do escritório.
Outro exemplar do projeto Crystal Houses, também na cidade dos Países Baixos, é a fachada da maison Chanel (foto acima), executada no mesmo ano e de forma semelhante. Os tijolos de vidro são fixados com uma cola de alta resistência e, nos andares superiores, os elementos vítreos se fundem à alvenaria original em terracota, trazendo a ilusão de uma parede em dissolução.
2015. Ports 1961, UUfie, Xangai
O escritório canadense UUfie desenvolveu esta fachada ousada para a Ports 1961, em Xangai, China. Com elementos de vidro que dão movimento ao edifício, o projeto de 2015 remete aos icebergs que flutuam nos oceanos, moldando-se ao ambiente.
Foram empregados dois tipos de tijolos de vidro – um bloco padrão 30×30 cm e outro personalizado, com quinas pronunciadas (30x30x30 cm). A soma deles cria volumes e exigiram uma nova forma de assentamento para serem afixadas. A fachada demonstra as possibilidades de experimentação do design e oferece uma leitura dinâmica do espaço, além de permitir iluminações posteriores e o destaque das aberturas.
2015. Seashore Library, Vector Architects, Qinhuangdao Shi
A Biblioteca de Qinhuangdao Shi, na China, se encontra imersa em uma paisagem encantadora à beira-mar. Os sons, a brisa e – em especial – a luz do oceano deveriam fazer parte dos interiores que servem à leitura e à possibilidade de um momento de reconexão, distante da velocidade do mundo.
Na área de leitura (foto acima), três tipos de elementos de vidro são combinados pelo escritório Vector Architects: paredes pivotantes ao rés-do-chão, uma grande janela horizontal que atravessa a biblioteca e blocos de vidro artesanais.
2013. Riviera, MK27, São Paulo
O arquiteto Marcio Kogan, à frente do escritório MK27, assina o projeto do Bar Riviera, na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, aberto originalmente em 1949.
O projeto “recupera o espírito dos tempos áureos, com elementos que remetem à arquitetura modernista do prédio no qual está instalado”, como o descrito no site do MK27.
Ali, os tijolos de vidro que compõem a fachada curva e trazem luz via pé-direito altíssimo foram mantidos. O padrão é translúcido em quadradinhos e a aura luminosa é filtrada. Para ressaltar o elemento, a forma sinuosa do conjunto foi transposta para os interiores, tanto no balcão em Corian como na manutenção da escada escultural original (foto), que conecta os pavimentos.
2012. Leitão 653, Triptyque, São Paulo
No bairro de Pinheiros, em São Paulo, está o edifício Leitão 653, com projeto do escritório Triptyque. Longa e estreita, a construção mede 4 m de largura e 25 m de altura, localizada entre dois prédios. Assim, o programa precisava estruturar muito bem a circulação de ar e aproveitar ao máximo a luminosidade do dia.
A transparência da fachada garante parte deste imperativo e, ainda, conecta o projeto ao entorno. Neste ponto, a ‘luz de catedral’ revisitada em uma espécie de muxarabi é composta, em parte, por peças de vidro leitoso e outras transparentes e incolores (detalhe na foto à esquerda, acima). É uma forma inventiva e funcional de aplicar funcionalmente os tijolos de vidro.
2007. Le Prisme, Brisac Gonzalez, Aurillac
Le Prisme é um teatro com espaços para eventos esportivos e feiras em Aurillac, França. Assinado pelo escritório Brisac Gonzalez, foi concluído em 2007. Pensado como um marco, foi desenhado para ser visto ao longe.
Além dos traços ousados, revela na fachada inserções de tijolos de vidro peculiares: são 25 mil unidades que refletem e absorvem para os interiores a luz do sol, brincando com a luminosidade. A forma piramidal é a responsável pelo efeito, com os fachos envolventes e sombras dramáticas. Durante a noite, o edifício reluz quando as superfícies dos tijolos de vidro amplificam a intensidade do esquema de iluminação colorida, criando um efeito único.
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