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Tapeçaria brasileira: 10 artistas e suas criações incríveis em diversas épocas

O tapete que você provavelmente tem em casa faz parte de uma história longa e que vale a pena ser conhecida. Afinal, a tapeçaria, assim como a cerâmica, tem origens diversas e ancestrais. Tecer faz parte do modo de vida em comunidade e pode ser tão antigo quanto nossa vida social: há tessituras com histórias que remontam a 2,5 mil anos, como a kilim, cuja técnica mais tradicional refere-se a padrões étnicos que, possivelmente, originaram-se na Mesopotâmia entre 8 mil e 4 mil anos a.e.c (antes da era comum). Os kilim – denominação turca com influência persa – se espalharam pelo mundo como sinônimo de bom-gosto e qualidade. São peças feitas em teares planos e sem nós, com dupla face, que se transformaram em patrimônio cultural de regiões que abrangem do Oriente Médio ao norte da África.

Velho Mundo

A arte de tecer ganhou outros territórios. Na Idade Média e no chamado Renascimento, as tapeçarias marcaram o cotidiano europeu – desde dos trabalhadores, que produziam peças para o uso cotidiano, geralmente tecidas em casa pelas mulheres; até os nobres e o clero, que atribuíam às tapeçarias usos que iam da comunicação à arte.

Da Tapeçaria de Bayeux (que é na verdade um bordado medieval do século 11) à tradicional Manufatura dos Gobelins, fundada no século 17 em Paris, a arte têxtil passou a figurar no chão e nas paredes, melhorando o conforto térmico, criando interesse e valor. Num primeiro momento, reproduções eram o carro-chefe, mesmo de grandes casas. A Gobelins, por exemplo, produziu vários tapetes baseados nas pinturas sobre o Brasil realizadas por Albert Eckhout (foto abaixo, realizada por Lawrence Perquis – CC by 4.0) e presenteadas por Maurício de Nassau a Luís XIV. Só com o passar do tempo as tessituras desenvolveriam temas e formas próprios, que fugiriam do simulacro de outras expressões artísticas, como a pintura.

Na Terra Brasilis

Aqui, do outro lado do Atlântico, também se produzia tapeçaria antes mesmo dos portugueses aportarem na Bahia. Segundo a pesquisadora e professora de Artes Visuais da Universidade de Passo Fundo (UPF), Lorilei Secco, as diversas sociedades indígenas brasileiras já teciam usando as mãos e teares. Mantinham, também, técnicas e domínios criativos que elaboravam trabalhos singulares, estabelecendo padrões preservados de geração em geração. A arte têxtil dos povos originários brasileiros, assim como as manifestações de tessituras no Oriente ou Europa, também comunicava e distinguia.

O encontro dos saberes indígenas – reabilitados, em um primeiro momento, pelo Modernismo -, com referências históricas de povos africanos que se comunicavam pela indumentária, além de repertórios modernos, cria uma miscelânea que origina a tapeçaria contemporânea brasileira: múltipla, miscigenada, popular e, acima de tudo, criativa. Tal fazer conjuga técnicas que vão do bordado ao looping, passando por tufado, esmirna e macramês, entre outras. Achou interessante? Vem com a DW! conhecer um pouco mais dos trabalhos e personagens dessa história.

Design têxtil brasileiro

Contemporâneos

Alex Rocca

O artista visual e designer têxtil paulistano Alex Rocca (@__alexrocca) tem formações diversas. Estudou informática, cinema e design de interiores – mas se encontrou mesmo na expressão através das lãs e cores. Tufting e bordado são algumas das técnicas usadas, e suas inspirações já passaram por Burle Marx, imagens feitas a partir de drones e elementos da natureza, como rochas, fungos e água-vivas. Um de seus trabalhos, a série Manto (foto), é um reflexo da sua busca pela ancestralidade e pertencimento. Seda é uma das matérias empregadas nesta derivação do tecer milenar africano.

Carmen Lenartowicz

A artista têxtil Carmen Lenartowicz (@carmenlenartowicz) trabalha com tapeçarias para parede inspiradas nos arrecifes de corais. Para criar as peças com texturas e volumes, Carmen usa técnicas como ganchos, crochês e bordados. Com suas criações – ora quase monocromáticas, ora explosivas em cores vibrantes – espera instigar a consciência e a responsabilidade pessoais de cada um para a importância e proteção dos ecossistemas marinhos.

Jessica Costa

Jessica Costa (@jessicacosta) é uma artista têxtil e artesã que trabalha os fios como símbolos de comunidade e resiliência, assumindo o suposto erro como parte da travessia. Composições felpudas de tons terrosos, verdes, rosas e laranjas saltam aos olhos, criando instalações e tapeçarias em técnicas como a tufagem manual. Atualmente (até 28 de janeiro de 2024) está em cartaz com a ocupação artística Te Espero Aqui Dentro (foto), no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo, na qual explora as tapeçarias de forma tátil-visual, dialogando com a arquitetura do espaço.

Renato Dib

O artista plástico Renato Dib (@renatodib) pesquisa e dá aulas há mais de 20 anos sobre arte têxtil e trabalha em seu ateliê com costuras que lembram colagens e expandem a prática da pintura, entre outras técnicas. Crochê, tricô, macramê, nós e afins fazem parte de seu universo criativo, que gera obras como as da série Amuletos Digestivos (2022). A da foto, por exemplo, combina tecidos, fios, cristais, pedras naturais, palha, sementes, cordões, cerâmica fria, metal e tinta.

Pioneiros

Atelier Nicola-Douchez

O paulistano Norberto Nicola (1930-2007) e o francês Jacques Douchez (1921-2012) criaram e mantiveram juntos o Atelier Douchez-Nicola, entre 1959 e 1980, como um dos estúdios de arte têxtil mais bem sucedidos do pós-Modernismo brasileiro. Antes, trabalharam em parceria no ateliê do artista romeno Samson Flexor e foram influenciados por seus ideais estéticos-vanguardistas. Ainda que parceiros, eles mantiveram sua individualidade criativa: enquanto Nicola se debruçava em obras lírico-oníricas e selváticas, Douchez criava de forma austera e ascética. Após o fim da sociedade, em vida, nunca mais expuseram em conjunto. Na foto, a obra Terra Esquecida, de Nicola.

Genaro de Carvalho

O baiano Genaro de Carvalho (1926-71) era, além de artista têxtil, pintor e desenhista. Mas foi através do bordado e da tecelagem, praticados a partir dos anos 1950, que ganhou projeção internacional. Em suas obras, a fauna e a flora brasileiras ganham expressão em cores fortes e vibrantes, além de materiais endêmicos das regiões onde viveu. Um dos objetos de interesse figurativo é o pássaro, como a obra homônima, da Coleção César Romero, em destaque.

Kennedy Bahia

Kennedy Bahia (1929-2005; @kennedybahiaoficial) não era brasileiro de origem: nasceu Patrick Maderos Kennedy Dito, em Valparaíso, no Chile, em 1929. Ele trabalhava como engenheiro de minas quando veio ao Brasil prestar serviço na região do Alto Tapajós. Ali, desenvolveu a admiração e o interesse pela flora e fauna da região Amazônica, que caracterizariam seu trabalho em tapeçaria, iniciado durante uma convalescência de malária. Nos anos 1960, mudou-se para a Bahia onde radicou seu ateliê e tornou-se um dos expoentes da arte têxtil do país, incorporando o nome do estado ao seu ‘eu-lírico’ e motivos da cultura afro-baiana às suas criações.

 

Regina Graz

Regina Gomide Graz (1897-1973) nasceu em Itapetininga, interior de São Paulo, e foi uma das pioneiras na Tapeçaria Moderna Brasileira. Nos anos 1920, fez uma pesquisa sobre tecelagem indígena no Alto Amazonas e, logo depois, passou a se dedicar à tapeçaria. Confeccionava colchas, almofadas, paneaux, abajures e afins nos estilos Art Déco e Cubista, criando em 1941 a Indústria de Tapetes Regina Ltda.. Pouco de sua produção tapeceira está reunida e preservada, sendo que uma das obras – Diana Caçadora (foto) – faz parte do acervo do Instituto Itaú Cultural. A peça já teve sua autoria controversa em relação a seu marido John Graz, mas hoje o crédito é atribuído à Regina.

Bônus

Tem muito mais gente criativa e com trabalhos incríveis em tapeçaria no Brasil ontem e hoje? Claro! Esse é, aliás, um pequeno recorte desse vasto campo artístico que merece muitos outros estudos e compilações. A DW! escolheu alguns nomes de peso, mas abre espaço para que você deixe nos comentários outros expoentes e novos talentos para enriquecermos essa lista. Podem ser artistas têxteis ou criadores que se dedicam (ou se dedicaram) a múltiplas experiências.

Trazemos dois nomes nessa esfera: o da artista plástica japonesa radicada no Brasil, Tomie Ohtake (1913-2015), e o do artista plástico e paisagista Roberto Burle Marx (1909-94) . Entre suas expressões, Tomie tem a tapeçaria, como o exemplar de 1990 com 70 m lineares criado para o Memorial da América Latina (foto que abre este texto), na capital paulista. A peça foi consumida pelas chamas que atingiram o espaço em 2013, sendo a obra refeita posteriormente. Burle Marx, por sua vez, tem uma de suas criações (1973 – imagem acima) exposta no Salão Negro do Congresso Nacional, fabricada em algodão e composta por formas irregulares e assimétricas. A peça foi vandalizada em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, e deve passar por processos de restauro.

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Uma resposta

  1. Trabalhos icônicos. O Burle-Marx sempre o melhor. Mas infelizmente vocês deixaram de fora nome importantes da mesma época do Nicola e do Douchez: Zorávia Bettiol, Liciê Hunsche e outros.

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