É muito provável que você já a tenha visto, usado e que ela faça parte de sua memória afetiva. Em especial, para quem passou a infância em Minas Gerais, no interior de São Paulo ou em alguma cidade da região Nordeste. A cadeira espaguete – também conhecida como ‘macarrão’ ou ‘de fio’ – faz parte do imaginário popular e do legado de design nacionais.
Elas já podiam ser vistas em varandas e calçadas a partir da década de 1940, ainda com estrutura de madeira, e confirmaram sua vasta presença nas decorações dos anos 1970, 1980 e 1990. Com o tempo, foram sendo deixadas de lado e substituídas por móveis em outros materiais, como os tubulares ou em madeira, até reconquistarem o apelo cool como peças de design brasileiro. Antes reservadas aos alpendres e varandas mais simples, agora passam a fazer parte do décor descolado de salas, quartos e áreas gourmet, reverenciadas especialmente entre a geração millenial.
Os modelos são diversos, mas a base estrutural é quase sempre a composta por um esqueleto tubular de metal que dá corpo à trama de fios plásticos. A cadeira oferece conforto com certa flexibilidade, além de permitirem ventilação pelo desenho vazado, o que é especialmente bem-vindo em regiões mais quentes. Embora onipresente nas casas brasileiras, ela passou diversas décadas à margem do sistema: um móvel barato, resistente, vistoso e de apelo popular. As cadeiras coloridas e leves podem levar como material-chave o PVC ou mesmo fibras naturais, cordas náuticas e fibras sintéticas, sendo o primeiro o que vamos, de fato, explorar aqui.
A pesquisadora Sílvia Karla de Oliveira Saraiva, em sua dissertação de mestrado, investigou o móvel e indica que “a cadeira macarrão, enquanto artefato material, é também um veículo de comunicação e expressão”. Patrimônio popular nacional – valeria sugerir seu reconhecimento como bem imaterial, não? – as cadeiras espaguete provavelmente surgiram por aqui no contexto do incentivo a processos fabris, por volta dos anos 1930, ainda que reservem elementos e feituras mais artesanais.
No pós-Segunda Guerra, o uso do metal no mobiliário se consolidou de vez. No Brasil, Lina Bo Bardi, Flávio Resende de Carvalho, Paulo Mendes da Rocha e Jorge Zalszupin desenhavam cadeiras e poltronas que tinham sua estrutura fundamentada no metal e as conchas que formavam assentos e encostos traziam o couro como elemento recorrente.
Em sua pesquisa, Sílvia aponta que dois modelos são emblemáticos quanto à associação das superfícies vazadas à estrutura metálica: uma poltrona de ferro dobrada a frio com trama de fibras plásticas, desenvolvida em 1950 por José Zanine Caldas; e o modelo do arquiteto Martin Eisler (acima), posteriormente fabricado e comercializado com diferentes fibras – do plástico ao algodão – pela Móveis Artesanal (1950-55). Porém, engana-se quem pensa que as cadeiras macarrão são uma exclusividade brasileira.
Na França dos anos 1920
O francês Rene Herbst (1891-1982) estudou arquitetura em Londres e Frankfurt e fez viagens pela Rússia e Itália, antes de se radicar em Paris como decorador e designer de mobiliário. Em 1927, nasce sua cadeira Sandows (em tradução livre, Cordas Elásticas), com estrutura em aço tubular niquelado, além de assento e encosto compostos por tiras de borracha esticadas através de ganchos. A peça hoje faz parte do acervo do MoMA – Museu de Arte Moderna de Nova York.
Acapulco, meu amor
Na década de 1950, com origem um pouco nebulosa, entra na moda a cadeira Acapulco nas varandas e áreas abertas dos hotéis chiques da cidade homônima, no México. A inspiração parece ter sido as espreguiçadeiras feitas de tecido, comuns na costa do país. Como Acapulco era um destino de luxo nos anos dourados, a cadeira incorporou este charme e foi alçada a objeto de desejo. Ainda hoje é uma ótima alternativa para ambientes externos e internos, trazendo um clima relaxante e descontraído à ambientação.
Na Holanda? Tem também
Chamada ‘cadeira de pátio’ ou ‘de jardim’, em um exemplar muito parecido com o que vemos nas casas de nossas avós, está catalogada no Museu de Roterdã, na Holanda. Datada das décadas de 1950 a 1970, a peça pode ter sido bastante popular nesse período, com estrutura em metal tubular pintada e os espaguetes de borracha esticados longitudinalmente.
Colômbia + Alemanha, com alma latina
O designer alemão Sebastian Herkner (@sebastianherkner) desenvolveu uma linha de móveis em parceria com a Ames (@amesdesign). As cadeiras (acima), mesas, espreguiçadeiras e outros itens levam a estrutura das nossas cadeiras espaguete de varanda, mas a familiaridade termina aí. As variações de formato são inventivas e exploram outras possibilidades, como as inspiradas em variedades de beija-flores.
As peças são trançadas segundo técnicas de artesãos colombianos, que podem ser aprendidas nas escolas e passadas entre gerações. Os móveis espaguete são uma tradição na Colômbia, assim como no Brasil, e vistos como símbolos de hospitalidade e alegria.
Essa riqueza cultural, levou as cadeiras de varanda colombianas também a protagonizarem uma exposição da Marni (@marni), para a qual ex-detentos e artesãos criaram 100 móveis entre cadeiras, mesas, bancos e espreguiçadeiras utilizando materiais recuperados. A coleção foi apresentada no Salão do Móvel de Milão, na edição de 2012.
Alto design em plástico colorido
A italiana Moroso (@morosofficial) já explorou a técnica das cadeiras espaguete em mais de uma ocasião. Em 2013, o já citado Sebastian Herkner criou a série de mobiliário M’Afrique, cujo foco era a poltrona Banjooli (acima). Inspirada na dança de acasalamento dos avestruzes macho (banjooli na língua wolof), o móvel com estrutura de metal trazia encosto, assento e projeções laterais trançadas em redes de pesca ou PVC por artesãos africanos.
Antes, em 2008, a designer Patricia Urquiola, já trabalhava o material e apresentou a Tropicalia Chair (foto de abertura do texto) e suas variações, como a espreguiçadeira (acima). A linha usa a estrutura de metal tubular do modelo Antiboldi e funciona como uma tela em branco, permitindo a combinação de duas ou três cores ou manter uma única, em fios de PVC ou couro.
Versão brasileira (ainda mais) vanguardista
Para finalizar nosso mergulho no mundo das cadeiras espaguete, vale resgatar um modelo bem diferente, mas que bebe desta fonte. Feita com mangueiras de jardim, a poltrona Anêmona foi desenvolvida pelos Irmãos Campana (@estudiocampana) em 2000 e fabricada pela italiana Edra. O material já havia sido explorado na poltrona Jardim, em 1995. Nesta versão ‘turbinada’, a peça tem estrutura circular em metal tubular e concha composta pelas mangueiras dispostas de forma (quase) aleatória.
Gostou? Conta pra gente se você ou alguém da família já teve uma cadeira espaguete e se ela remete a alguma lembrança de infância! E também queremos saber sobre outras empresas, designers e artesãos que trabalhem com as espaguetes. Para receber mais notícias sobre o universo do design, assine a newsletter da DW!. Aproveite e siga nosso perfil no Instagram, @dwsemanadesesign e fique por dentro das novidades.