O trabalho da Karol Suguikawa está longe de ser apenas mais um exemplo de design bem feito e agradável aos olhos. A potência de sua criação é intrínseca ao posicionamento manifesto de ser quem se é e ocupar espaços negados de forma contumaz. Karol e sua obra são simbióticos, falar de um sem o outro é deixar a mesa bamba: mulher trans em um contexto majoritariamente cis, branco e masculino, ela faz de suas criações pontos de reflexão sobre gênero, arquitetura e sociedade.
“Onde eu chego tento abrir espaços para outras pessoas. É uma forma de retribuir, sei que tenho alguns privilégios e posso ajudar outros que não têm tantas oportunidades por seu gênero, etnia, dificuldades financeiras e sociais”, defende.
De muitos lugares
Karol Suguikawa é do interior do Brasil, nascida no Mato Grosso e criada no Goiás, estava fora do eixo Rio-SP, que historicamente concentra a produção de design de mobiliário e objetos. Criativa desde criança, diz ser uma pessoa privilegiada, que pôde transitar em ambientes que foram acolhedores. “Sei que essa não é uma realidade da maioria das mulheres trans no Brasil”, afirma.
É arquiteta e designer, formada pela Universidade Estadual de Goiás e pelo Politécnico de Milão, onde passou dois anos ao conquistar uma bolsa de estudos. Sua trajetória profissional começa em 2008, passa pela arquitetura e a leva para o mundo do design. É aí que se debruça sobre a história do design e das mulheres neste contexto nacional e internacional como uma forma de empoderamento, de encontrar uma voz.
Suas inspirações e referências passam pelo modo como as pessoas vivem, pela moda, pela arte e o próprio design. Quando cria manifestos, parte sempre de um elemento conhecido – um ícone – para que o impacto seja mais potente. Quando o tema é a criação de um objeto em si, é atravessada pelo design radical italiano, pela decomposição de elementos, pelo respeito ao material. O conceito pode vir de um gesto, de um espaço, de uma memória, de uma colagem de referências, uma fala, um processo.
Hoje, ela presta consultoria e desenha para grandes marcas e empresas de luxo, além de manter um estúdio de design autoral.
“A arquitetura não foi generosa comigo, é um mercado ainda muito masculino e cis gênero. A cena do design foi mais receptiva, mas o percurso foi longo. Eu insisti em um processo e no design autoral de uma forma despretensiosa, mas não sabia se ia de fato ‘acontecer’ e as pessoas que me apoiavam esperavam uma resposta”, conta.
Questionadora
A designer olha a arquitetura de maneira crítica e a vê, historicamente, como um lugar onde se demonstra poder e é regido por padrões. Só na contemporaneidade é que Karol consegue observar questionamentos sobre como os espaços e seus usos são estruturados. Dá como exemplo o atual estado das coisas para os ambientes de serviço, que tendem a ser mais fluidos e ocupados, de fato, por quem vive na casa. Um reflexo da mudança (lenta) da sociedade.
Em sua participação no podcast “Divã de CNPJ”, ela afirma:
“Eu acredito numa arquitetura para todos dos corpos, que abrigue pessoas. É muito importante entender por onde a arquitetura passou, para que a gente possa fazer dela algo mais gentil e mais humano”.
No design, o questionamento pode ser bem-humorado como nos “memes” onde Karol brinca com a criação de grandes mestres e peças icônicas ou através do “Método Vértice”, no qual uma provocação se dá ao transformar as curvas “femininas” de móveis e objetos em arestas “masculinas”, num se apoderar dos corpos homens, como tantos criadores – a exemplo de Oscar Niemeyer – fizeram com as características das mulheres.
Para mergulhar nesse mundo criativo e conhecer mais sobre o trabalho da Karol, acesse os perfis: @karolsuguikawa e @krlsgkw. Aqui, tem um gostinho do que a designer gosta de ver, ler e ouvir.
* foto em destaque: Karol e a mesa de centro Cunha para a Breton, lançada em 2021.