A DW! já tratou de biomateriais outras vezes e é sempre bom a gente abordar esse tema. Afinal, nosso planeta precisa e merece ser cuidado enquanto há tempo. É inegável que uma mudança esteja em curso. Se, por um lado, o uso de matérias-primas que podem ser recicladas têm se tornado alternativa viável para um consumo com menor impacto no longo prazo, por outro, os biomateriais vêm ganhando pouco a pouco um maior espaço pelo valor que geram e pelo potencial de revolucionar nossa relação com o planeta.
Já em 2019, os subprodutos da cultura do girassol estavam na linha de frente de pesquisas que aliavam os esforços do estúdio do designer holandês Thomas Vailly (@tudiothomasvailly), o Atelier Luma e o laboratório Ensiacet (Ecole Nationale Supérieure des Ingénieurs en Arts Chimiques Et Technologiques), na França. A biomatéria do girassol vinha sendo experimentada como novo material de base biológica e biodegradável pelo projeto Sunflower Enterprise e já poderia ser aplicada de uma capa de celular a um painel isolante.
A técnica consiste em prensar sementes, das quais fora extraído o óleo com uma cola – também derivada do girassol – à base de água para a formação de uma fina película semelhante ao couro. Outras partes da planta, como as fibras do caule e das cascas, além das proteínas contidas nas flores, também são aproveitadas gerando um verniz atóxico, um aglutinante não-sintético, uma espécie de poliestireno natural e biodegradável e painéis resistentes. Aproveitamento total da matéria-prima na geração de derivados que criam um ciclo positivo, influenciando novas soluções no design e na arquitetura.
E por falar em couros…
Uma empresa brasileira vêm ganhando fomento de players internacionais como a Antler Global: a MABE Bio (@mabe.bio), uma startup de deeptech que combina tecnologia e natureza para criar novos materiais e processos como, por exemplo, biocouro e bioplástico.
A pesquisa passa pela investigação do potencial da biodiversidade brasileira e combina tecnologias ancestrais e contemporâneas, entrelaçando conhecimentos de diversas áreas. A ideia é criar biomateriais que sejam produzidos de forma circular e regenerativa como, por exemplo, o couro feito a partir das vagens do Angico (Anadenanthera colubrina): maleável, que se pode costurar e selar, com aspecto estético semelhante ao de origem animal.
A CTO e co-fundadora da MABE Bio, a designer de moda e pesquisadora Marina Belintani, explica que “70% da pegada de carbono de uma marca de moda provém dos materiais que ela escolhe, sendo o couro o que apresenta o maior impacto ambiental. São necessários cerca de 988m² de terreno para produzir 1m² de couro brasileiro. A produção do couro animal está atrelada ao desmatamento e a processos que envolvem insumos tóxicos e cancerígenos”.
Outro tipo de vegetal pode gerar um couro bem interessante: mangas (e possivelmente outras frutas). Já imaginou? O projeto Fruitleather Rotterdam (@fruitleatherrotterdam) prevê o aproveitamento de frutas produzidas para consumo e jogadas fora, com um potencial que chega a 45% do total do montante colhido.
O desperdício de mais de 1,3 bilhão de toneladas de alimento anuais, de acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, poderia ser minimizado pelo reaproveitamento, como o proposto pelo projeto. O uso das mangas descartadas possibilita aplicação do biomaterial em objetos e itens de moda, com padrões estéticos e de cor que se assemelham aos de origem animal.
A muitas mãos
Tem gente no mundo inteiro pesquisando novas formas de fazer e de maneira mais amigável, sustentável e que veja o produto de forma circular e regenerativa. Porém, não é um caminho sem percalços.
A Marina, da MABE Bio, percorre essa trajetória há alguns anos e aponta que “a urgência no desenvolvimento de novos materiais com baixo impacto ambiental para diferentes indústrias é alta, mas é um mercado relativamente recente com grande parte dos materiais em fase de pesquisa e desenvolvimento”. Para ela, esse “é um trabalho a muitas mãos, que demanda o apoio de órgãos governamentais, indústrias, investidores, além do desenvolvimento de novas legislações”.
E há, também, a reeducação de nossa sociedade e sua forma de ver os materiais e pensar o consumo. É preciso que mais pessoas conheçam e acreditem no potencial dos novos biomateriais, que podem aliar durabilidade, beleza e funcionalidade.
Micélio, prazer
Um dos biomateriais que pode gerar estranhamento em um primeiro momento, mas que vem se mostrando um dos mais promissores, é a parte vegetativa dos fungos, o chamado micélio. Os fungos já facilitam a vida humana em várias frentes, das mais variadas: degradam matéria orgânica morta; fazem catalisar a fermentação da cerveja, dos queijos e de pães; servem como elemento essencial dos antibióticos; podem ser usados como alimento e trabalham como purificadores da água e do solo.
E, há algum tempo, sua parte vegetativa composta de hifas, ou seja, filamentos microscópicos que se emaranham, tem sido explorada como matéria-prima resistente, moldável e regenerativa de elementos construtivos – como tijolos – e estruturantes, das fibras para embalagens aos móveis e objetos de decoração. Uma das primeiras empresas a explorar o micélio foi a Ecovative Design (@ecovative), e a DW! já chegou a falar dela em outros conteúdos, como nesse post do Instagram.
Hoje, essa área vem sendo trabalhada e pesquisada por uma série de marcas, designers, engenheiros e arquitetos mundo afora. Um outro trabalho interessante é o realizado pela MushLume Lighting Collection (@mushlume_lighting), que a DW! também apresentou no IG recentemente, aliando micélio e cânhamo. No Brasil, um exemplo do emprego do micélio é feito pela Mush (@mush.eco), que também participou da DW! Semana de Design em São Paulo em 2023, em uma ativação que teve destaque no BoomSPDesign (@boomspdesign).
A startup paranaense transforma biomassas em produtos. Como? O micélio é cultivado com o molde desejado e dá corpo a objetos de decoração, obras de arte, luminárias, móveis, placas para revestimento de paredes e forros, além de elementos próximos de tecidos e couros aplicáveis às indústrias têxtil, automotiva e de mobiliário.
Ancestralidade e reaproveitamento
A sustentabilidade dos materiais pode partir também de conhecimentos e técnicas ancestrais, como o adobe, a taipa de mão e pilão, assim como o hiperadobe e os tijolos de solo-cimento. Um pouco diferente do pau-a-pique, com estrutura de madeira telada e barro aplicado à mão, a taipa – cob para os europeus – usa uma massa que leva terra e argila em proporção de 40 a 50%, além de palha seca e, às vezes, areia. A massa é modelada e torna-se autoportante. Parece frágil, mas não é.
Uma reportagem do site Dezeen indicava uma pesquisa da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, que propunha uma versão mais contemporânea da taipa, o CobBauge – mistura dos nomes da técnica usados no Reino Unido (cob) e na França (bauge). Ela seria mais eficiente para o controle do conforto térmico da construção – diminuindo a necessidade de aquecimento –, além de proporcionar baixa emissão de carbono e gerar pouco resíduo de obra. Por fora vai uma massa mais robusta e, por dentro, mais leve.
O projeto iniciado em 2017 se estende até este ano e pretende oferecer uma solução que reduza o consumo de energia (para o aquecimento das casas) em até 20%. A proposta é uma tecnologia que se inspire na arquitetura vernacular, mas que seja inovadora e aproveite os resíduos agrícolas e de fibras industriais.
A iniciativa que olha para o conhecimento antigo vem se replicando em diversos países e, no Brasil, não seria diferente. Em julho, a DW! Semana de Design realizou seu preview para a DW! Semana de Design de Pernambuco, na 23ª Fenearte. Lá, a gente conheceu a Lama Bioconstrução (@lama.bioconstrucao) que “se propõe a utilizar métodos tradicionais de construção incorporando alto nível de detalhamento, eficiência construtiva e desempenho energético”.
Os arquitetos Pedro Paes, Gabriel Lins e José Guilherme Silva escolheram a taipa de pilão como um dos carros-chefes dos projetos de bioconstrução. Mas aplicam, também, outras técnicas em reformas, como o reboco de terra. Na taipa de pilão, o solo – geralmente uma mistura de 30% de argila e 70% de terra ou areia – é compactada úmida por socamento (ou apiloamento), em formas. O resultado são paredes bonitas e robustas.
Inovação sustentável
E se os que vieram antes têm muito a nos ensinar, cabe à nossa geração – e às futuras – honrar tal conhecimento ao retribuir com soluções que olhem para a comunidade. A cientista comunitária, educadora e designer Melissa Ortiz cresceu em Salinas, na Califórnia, e explora a intersecção entre comunidade, arte, design e ciência.
Um de seus projetos chama-se Colores del Rio e consiste em uma ferramenta produzida pelo engajamento da comunidade biorregional, feita de resíduos agrícolas locais. Estruturada com repolho roxo descartado, a ‘bolacha’ indica a qualidade da água através de alterações cromáticas dadas pelo pH. O objeto é particularmente útil para a região, que sofre com contaminações químicas geradas pela monocultura extensiva.
O Colores del Rio convida a comunidade a se engajar e aplicar o biodesign para investigar e melhorar os ecossistemas. O projeto nasceu em aulas de Biodesign do California College of the Arts em parceria com a organização Xinampa (@xinampa.bio) e o departamento de ciências da Mount Toro High School. O reconhecimento veio logo, já que a iniciativa ganhou um dos prêmios do Biodesign Challenge (@biodesigned), o programa global de educação e competição que promove a inovação em biodesign. Colores del Rio foi escolhido pela crítica como “design fora do comum”.
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