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Bienal de Artes de Veneza exalta estrangeiros no tema com destaque para Brasil em curadoria e obras de arte

Veneza recebe duas das principais e mais antigas bienais do mundo: uma voltada à arquitetura e outra às artes plásticas, além de uma série de eventos ligados a estas mostras, que recortam o universo artístico. As bienais se revezam e, em 2024, é a vez da 60ª edição da Esposizione Internazionale d’Arte sob o tema Straniere Ovunque – Foreigners Everywhere.

Agora traduzindo: a 60ª Bienal de Arte de Veneza vem com o tema Estrangeiros em Todos os Lugares, de 20 de abril a 24 de novembro de 2024, e tem a curadoria do brasileiro Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP – Museu de Arte de São Paulo. Pedrosa é o primeiro latino-americano – e crítico-curador do Sul Global – a ocupar a curadoria desta que, segundo ele, é “certamente a plataforma mais importante para a arte contemporânea no mundo”.

Enquanto a Bienal de Arte transcorre, outras se sucedem: de Teatro (de 15 a 30 de junho); de Dança (de 17 de junho a 03 de agosto); de Cinema (de 28 de agosto a 07 de setembro) e de Música (de 26 de setembro a 10 de outubro). Essa profusão de festivais leva à cidade italiana um pool de artistas de diversas partes do mundo especialistas em suas expressões, mas é na Bienal de Arte que o Brasil se destaca de fato em 2024.

“Minha arte tem um sentido monumental intrínseco. Vem do rito, da festa. Busca as raízes e poderia reencontrá-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo”, é o que dizia o artista Rubem Valentim (à esq.). À dir., obra: Objeto Emblemático 4 (1969) | Fotos: Reprodução @institutorubemvalentim

Brasil, estrangeiro

O tema escolhido para a sessão de Arte Contemporânea da Bienal traz o ‘estrangeiro’ como o artista que está à margem, mesmo em seu próprio território. É uma espécie de continuum do que Pedrosa produziu no MASP com a série ‘Histórias’, que levou às salas expositivas de um dos mais importantes museus do país os contextos queer e afro-americanos, por exemplo.

Os estrangeirismos não se limitam aos contemporâneos, e a provocação é aplicada ao Nucleo Storico, que se atém às obras Modernistas produzidas no século 20. Porém, aqui e desta vez, não entram a Euroamérica e o trabalho Moderno que costumam monopolizar as atenções sobre o tema, mas sim uma espécie de reparação histórica à arte produzida no Sul do Mundo: América Latina, África, Ásia e mundo Árabe são os protagonistas. No apoio para as pinturas deste núcleo, aliás, os cavaletes serão os desenhados por Lina Bo Bardi (1914-92) para a expografia original do MASP.

Neste panorama, a expressão ‘Estrangeiros em toda parte’ tem vários significados. Em primeiro lugar, onde quer que você vá e onde quer que esteja, sempre encontrará estrangeiros. Eles – nós – estamos em toda parte. Em segundo lugar, não importa onde você se encontre, você sempre será verdadeiramente e profundamente um estranho. … No entanto, também se pode pensar na expressão como um lema, um slogan, um apelo à ação, um grito de entusiasmo, alegria ou medo: ‘Estrangeiros em toda parte’, afirma o curador Adriano Pedrosa, durante a coletiva de imprensa.

“Será um exercício de especulação curatorial sobre as origens dos modernismos na América Latina, África, Oriente Médio e Ásia, que permanecem desconhecidos e que temos urgência em conhecer”, também afirma Pedrosa na coletiva de imprensa da Bienal, trazendo como exemplo a antropofagia de Oswald de Andrade. Tal tema já havia sido explorado na 24ª Bienal de São Paulo: Antropofagia e Histórias de Canibais (1998), da qual foi curador-adjunto a Paulo Herkenhoff.

O Brasil conta com 25 nomes – nascidos e radicados no país – entre os 331 das duas frentes de curadoria internacional da Bienal. É uma lista bastante plural, que vai desde os consagrados Tarsila do Amaral (1886-1973) e Rubem Valentin (1922-91) aos talentos Manauara Clandestina e MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin, convidado para pintar um mural monumental na fachada do Pavilhão Central do Giardini.

A artista e pesquisadora Glicéria Tupinambá, vestida com um Mato Tupinambá – o primeiro a ser feito, por ela, em 400 anos – e o detalhe de um segundo exemplar sendo tecido com penas de Guará | Fotos: Reprodução @celiatupinamba

Legado e protagonismo ancestral

O protagonismo dos povos ancestrais é algo que se nota, tanto neste recorte curatorial, quanto no mercado de arte nos últimos anos. Não por acaso – e em consonância com os estrangeirismos propostos –, os representantes indígenas têm lugar de destaque nesta Bienal para além dos salões considerados principais: Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana são os curadores do Pavilhão Brasileiro, nesta edição denominado Hãhãwpuá.

A artista Glicéria (Célia) Tupinambá – com a Comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro e Olivença, na Bahia – é uma das artistas convidadas ao Hãhãwpuá, além de Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó. Glicéria é pesquisadora em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a primeira artista, em 400 anos, a produzir um Manto Tupinambá.

Por um fio (1976), fotopoemação de Anna Maria Miolino, que traz a artista ao centro da imagem, ao lado da mãe e da filha. À dir., S.O.S. no Trópico de Capricórnio (1974), da série Mapas Mentais | Fotos: Dvulgação

Diáspora italiana

2024 é o ano que marca os 150 anos da imigração italiana para o Brasil – e, nas muitas levas de imigrantes no correr dos anos, vieram também diversos artistas. A Diáspora Italiana é um dos temas do Nucleo Storico com 40 artistas, entre os quais alguns que formaram sua produção no Brasil: Alfredo Volpi (1896-1988), Anna Maria Maiolino, Eliseu Visconti (1866-1944), Lina Bo Bardi, Maria Bonomi, Victor Brecheret (1894-1955) e Waldemar Cordeiro (1925-73).

Anna Maria Maiolino, 81, recebe o Leão de Ouro pelo conjunto da obra nesta 60ª edição da Bienal. A outra homenageada é a artista turca Nil Yalter, 85. Maiolino construiu sua obra a partir do diálogo com artistas da chamada Nova Objetividade Brasileira, mas seu trabalho é espiralar e de expressões múltiplas, passando da instalação à fotografia, além de esboços, poemas e outras produções. Uma de suas exposições mais recentes foi a antológica Anna Maria Maiolino – PSSSIIIUUU…, em que 300 obras ocuparam três salas do Instituto Tomie Ohtake, sob a curadoria de Paulo Miyada.

Na exposição, algumas de suas produções mais conhecidas mostram o amarrar cuidadoso desta Bienal e seus questionamentos: “mapas e cartografias foram ferramentas de controle territorial fundamentais para a expansão colonial da civilização eurocêntrica, mas na obra de Maiolino os mapas mentais possuem vocação inversa: eles registram impermanências de uma existência ambivalente, que não se deixa resumir pelo saber racionalista e tecnocrático. Ao invés de uma geografia de recursos e fronteiras, esses mapas enunciam topologias afetivas e inconstâncias do ser”, como aponta o texto de Paulo Miyada, no catálogo da exposição no Tomie.

A arquiteta Lina Bo Bardi posa sobre a laje do MASP durante a construção, ao lado de um de seus cavaletes exibindo a pintura O Escolar (1888), de Van Gogh | Foto: Lew Parrella / Cortesia MASP

Maiolino foi imigrante e estrangeira em muitos lugares. Trabalhou como designer, foi, mãe, avó e cozinheira, entre outras dimensões. Não por acaso, sua obra mostra como os saberes e vivências do sul podem ser consonantes em suas particularidades. E o Brasil exibe esse contexto fervilhante há décadas, agora, de fato, mais inclusivo e plural. A DW! recomenda: vale ficar de olho nesta 60ª Bienal de Arte de Veneza, conhecer as produções e vislumbrar as novas fases criativas do design nacional.

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