Em 2020, o conceito curatorial da DW! articulará propostas em torno de três eixos: Outdoor – O despertar da cidade; Indoor e Digital Exponencial. E para fazermos uma edição adequada ao cenário atual mantendo o padrão de excelência, relevância e qualidade, convidamos, pelo segundo ano consecutivo, as jornalistas Lúcia Gurovitz e Winnie Bastian para compor a curadoria do festival.
Lúcia Gurovitz é jornalista e há mais de 20 anos trabalha em publicações da área de design, decoração e arquitetura. Viu nascer a DW! e como o festival ajudou a fomentar uma cultura de design na cidade de São Paulo. Conversamos com Lúcia sobre o conceito curatorial, a importância do design em uma pandemia, as semanas de design pelo mundo e outros assuntos. Confira!
Pelo segundo ano consecutivo, você está no time de curadoria da DW! Semana de Design de São Paulo. Do ano passado pra cá muita coisa mudou, é natural que a abordagem curatorial esteja atenta a essas mudanças e ao novos comportamentos, necessidades, às restrições e aos temas mais atuais que necessitam ser debatidos. Como isso será abordado na edição deste ano? Comente as linhas curatoriais deste DW!
Sou jornalista antes de tudo e não consigo olhar o mundo sem as lentes da atualidade. Fora isso, o planeta inteiro está enfrentando a mesma situação ao mesmo tempo, o que torna impossível ignorar as implicações da pandemia do coronavírus em cada pequena atitude do dia a dia. O design, assim como o jornalismo, é um reflexo do espírito do tempo. Um designer pode reagir ao momento criando equipamentos de segurança emergenciais. Outro pode decidir que vai continuar desenhando poltronas, mas que essas poltronas serão confortáveis e calorosas como um abraço para compensar a falta de contato humano que experimentamos hoje em dia. Acredito que a abordagem para esta edição deva ressaltar as diversas formas como os designers e suas criações estão respondendo às questões atuais, além de contar as histórias por trás dos lançamentos e das exposições. Quanto às linhas curatoriais, elas procuram injetar uma dose de otimismo nos agentes envolvidos na cadeia produtiva do design, sem esquecer a responsabilidade necessária para a realização de qualquer tipo de evento hoje em dia. É a primeira vez que o DW! acontece na primavera, então pegamos o gancho do renascimento e do desejo de ficar ao ar livre associados à estação. Também estaremos nos aproximando do Natal, época em que a cidade se enche de luzes. Daí surgiram os conceitos de renascer, florescer e iluminar e a recomendação de priorizar os eventos digitais e presenciais outdoor em favor do bem-estar de todos.
Quais são os papéis das curadoras na DW! Semana de Design de São Paulo?
Somos curadoras editoriais, um papel um pouco diferente da curadoria habitual. Não decidimos o que os expositores vão fazer. Quando entramos na conversa, cada marca ou designer já criou suas coleções ou já definiu que tipo de ação pretende realizar. Nossa função é ouvir que história o expositor deseja contar e contribuir para o aprimoramento desse storytelling por meio de sugestões. Também nos preocupamos com a forma como essa história será contada no espaço físico ou virtual. Ou seja, se o visitante encontrará todos os elementos necessários para compreender e absorver o conceito. Podemos propor aos expositores, dependendo do caso, que seria interessante ter um texto introdutório, um miniperfil dos designers que desenvolveram a coleção, um vídeo complementar, um tour virtual, e por aí vai. Sempre sugiro pensar na experiência do usuário, o que ajuda a avaliar se todas as pontas da ação estão bem amarradas. Depois, durante o festival, trabalhamos na cobertura dos eventos, o que é uma correria deliciosa.
Qual a importância do design em uma pandemia?
No caso do coronavírus, em que uma das medidas mais eficientes para conter o contágio é ficar em casa, o design de interiores e de produtos para a vida doméstica assumiu uma importância enorme. Passamos por uma experiência de uso extremo das nossas casas, com lotação completa full time. Em situações assim, o que não funciona fica evidente, e acho que ainda veremos muitos desdobramentos do isolamento social no redesenho de espaços, móveis e equipamentos domésticos. Mas não é só isso: estúdios de design produziram soluções muito rápidas para demandas que surgiram da noite para o dia, como máscaras, respiradores e UTIs pop up. Sei que muitos designers não gostam do rótulo de “resolvedores de problemas”, mas numa situação emergencial, essa capacidade de mapear, identificar e oferecer uma saída para uma questão complexa e urgente tem muito valor. Outro ponto importante é que essa agilidade de resposta foi possível, em parte, graças a novas tecnologias, como ferramentas de criação colaborativa e impressoras 3D. Na minha opinião, um efeito positivo da pandemia foi ter tirado essas tecnologias de um lugar ainda muito utópico e experimental e trazê-las para aplicações da vida real.
Quais são os elementos mais importantes da curadoria de design e no que o público deve ficar atento ao participar de uma atividade da DW!?
Para mim, a curadoria, no design e em outras áreas, envolve a percepção de um conjunto harmônico e coerente e de uma história bem contada. Isso vale para a seleção de peças de uma exposição, para o desenvolvimento de uma coleção de produtos e para a curadoria editorial. O curador precisa se perguntar: que história desejo contar e quais impressões e sentimentos quero despertar? Aí, ele precisa reunir os elementos necessários para causar o efeito esperado e deixar de fora o que não contribui para o desenrolar da narrativa. No fim das contas, é muito parecido com o trabalho de editar um texto ou escrever um roteiro, e o público percebe claramente se a trama foi bem amarrada ou não. Minha sugestão para os visitantes de uma exposição de design, virtual ou presencial, é tentar identificar características comuns a todas as peças e observar como elas ajudam o conjunto a fazer sentido.
Quais foram os projetos mais empolgantes da edição passada?
Adorei fazer a curadoria da mostra D&D Design Walk, para a qual escolhi uma peça de cada loja do D&D Shopping. A exposição ocupou os corredores do centro comercial e foi um desafio pensar numa montagem que valorizasse todos os produtos selecionados. Também curti supervisionar projetos que levaram ações de design para áreas mais centrais de São Paulo, como as mostras dos designers Sandra Arruda no Theatro São Pedro e Ricardo Van Steen no Baixo Augusta.
As semanas de design pelo mundo precisaram se reinventar. Quais foram as melhores atrações que você viu nos festivais realizados em outros países?
Gostei do poder simbólico da instalação da designer francesa Marlene Huissoud no London Design Festival. Era uma escultura de tecido que precisava de uma ação conjunta do público, convidado a inflar o obra por meio de bombas acionadas com os pés, posicionadas a uma distância segura umas das outras. A mensagem é clara: juntos podemos fazer algo belo, mesmo que temporariamente afastados. A programação virtual londrina também tinha uma grade muito bacana, com tours virtuais do Victoria & Albert Museum, fóruns diários sobre design circular e seminários sobre temas relacionados às consequências da pandemia, como saúde mental e futuro da hospitalidade.
Como sua formação em jornalismo – com foco em arquitetura, decoração, design e tendências – influenciará a curadoria? Existe um diálogo entre as curadoras? O que vocês debatem?
Minha trajetória no jornalismo propiciou não só a apuração do olhar para a arquitetura, o design e a decoração. Como os meios de comunicação passaram por um movimento de diversificação de plataformas nos últimos anos, acabei ganhando uma experiência mais flexível e eclética, que inclui mídias sociais, vídeo, eventos, roteiro e desenvolvimento de coleções. Isso forma um caldo que contribui para a curadoria do DW!, pois o festival engloba, de alguma forma, todas essas competências. Nos bastidores do DW!, as curadoras trocam figurinhas sim. Temos preocupações que quem está de fora pode até achar bobas ou exageradas: conversamos sobre padronização de texto e como evitar que duas exposições diferentes tenham nomes parecidos. Somos detalhistas.
Quais experiências e reflexões você espera que os visitantes – tanto da etapa presencial quanto virtual – tirem deste DW!?
Acho importante refletir que o formato híbrido do DW!, presencial e digital, não é uma solução com aplicação restrita ao período da pandemia. Essa é a forma como o mundo vai funcionar de agora em diante. Vencemos as barreiras tecnológicas e culturais para aprender e apreciar um evento à distância e, assim que houver ampla imunização, nada impedirá que um seminário ou um concerto venda 500 ingressos presenciais, para quem quiser assistir do auditório, e 500 mil ingressos virtuais, para participantes do mundo todo. Quando o acesso a atividades interessantes está a um clique de distância, as pessoas podem ficar em casa por opção, e essa escolha pode estar ligada a questões de saúde, praticidade, tempo, economia e até ambientais, para evitar emissões de carbono no deslocamento. Por outro lado, precisamos de ar livre e sol, e a proposta presencial outdoor do DW! também está afinada com um movimento global: o resgate do espaço urbano como ponto de encontro e convívio. No momento, um convívio com muita responsabilidade, máscaras e distânciamento, como deve ser, mas nem por isso menos desejável.
Quais são os legados que um evento como a DW! Semana de Design de São Paulo pode deixar para a cidade, para o mercado e para as pessoas?
Acredito que o maior legado seja o estímulo à cultura do design. Essa cultura tem o poder de repensar a cidade, fazer com que o mercado lance produtos mais inteligentes, duráveis e sustentáveis e tornar a vida das pessoas mais confortável e feliz.
Anote na agenda: a DW! Semana de Design de São Paulo acontece de 08 a 14 de novembro em formato híbrido: presencial e digital. Acompanhe-nos pelo Instagram e fique por dentro das novidades: @designweekendsp. Leia também a entrevista com Winnie Bastian.