Como é editado e produzido o mobiliário de Sergio Rodrigues? Gisèle Schwartsburd conta em entrevista

A paulistana Gisèle Schwartsburd, 68, radicada em Curitiba, vem abrindo caminhos para o design brasileiro desde 2001, quando relançou o mobiliário de Sergio Rodrigues (1927-2014). A CEO da LinBrasil (editora do mobiliário de Sergio Rodrigues) e presidente da BRADA (Associação Brasileira de Design Autoral) conta em entrevista para a DW! o cuidado e os detalhes envolvidos neste processo, que envolve o legado de um dos mais emblemáticos designers brasileiros e mundiais, entre outros temas relacionados à importância de entender a propriedade intelectual e a autoria no design.

Confira a entrevista!

DW!: Como e quando começou sua história com o mobiliário de Sergio Rodrigues?

Gisèle: Tudo começou em uma exposição sobre a história do design brasileiro que visitei no Rio Design Center no Rio de Janeiro, em 1999. Me dei conta, naquele momento, que os icônicos móveis de Sergio Rodrigues simplesmente não estavam disponíveis no mercado: “Por que ninguém os fabrica?”, me perguntei. E de imediato veio a minha resposta interior: “Se ninguém faz, faço eu!”

Assim aconteceu. Procurei Sergio com minha proposta apaixonada e a parceria logo se firmou. Vendi meu único patrimônio – um apartamento no bairro do Vidigal com vista para o mar no Rio de Janeiro – para criar naquele ano a LinBrasil, empresa 100% dedicada à obra de Sergio Rodrigues, com a missão de editar suas criações com autenticidade e qualidade.

Foram anos investindo e reinvestindo tudo o que eu tinha para desenvolver uma coleção consistente, a partir dos projetos originais e com o acompanhamento minucioso de Sergio. Desde o início também trabalho intensamente para contar sua história e mostrar ao mundo que existe design do lado de baixo do equador.

DW!: Em que momento você compreendeu a importância de editar o design original de Sergio Rodrigues?

Gisèle: Quando jovem, cheguei a cursar três anos de faculdade de Desenho Industrial. Abandonei para me dedicar à dança no Rio de Janeiro, onde atuei como coreógrafa no teatro, no cinema e na TV. Tudo isso antes de criar a LinBrasil, em 2001, e começar a editar os móveis de Sergio Rodrigues.

Como venho do meio artístico, tenho imenso respeito pela obra dos artistas. Não se pode deturpar uma criação. É inconcebível mudar qualquer acorde de uma partitura de Beethoven. Original é original. É assim que trato a obra do mestre Sergio Rodrigues.

DW!: Quais as etapas mais relevantes em seu trabalho de edição e o que o diferencia em relação à reprodução convencional de mobiliário?

Gisèle: Não existe diferença entre a produção convencional e de mobiliário assinado se você tem um projeto a seguir.

Venho trabalhando todos esses anos na LinBrasil como editora dos móveis de Sergio Rodrigues sempre atenta em preservar os valores do mestre em todas as etapas, da fabricação à divulgação.

A produção é realizada por indústrias parceiras altamente preparadas, sob minha coordenação, seguindo criteriosamente os desenhos de Sergio, com tecnologias de ponta integradas a processos artesanais, o que garante a maestria no trato da madeira, que Sergio tanto adorava.

Preservar o projeto original, cuidar e vigiar para que não haja nenhuma deturpação, é essencial. Zelo continuamente para sustentar, sem qualquer alteração, o design do mestre.

Me orgulho também de ter consolidado na LinBrasil uma rede de fornecedores e lojistas, no país e no exterior, que se dedicam com profundo encantamento e respeito ao legado de Sergio Rodrigues.

Divulgar o legado de Sergio Rodrigues é algo que me realiza profundamente, consciente de que – junto com ele e seguindo seus ideais – a LinBrasil vem ajudando a impulsionar todo o design brasileiro moderno e contemporâneo pelo mundo.

DW!: O que significa ter a licença para produzir um mobiliário? O que é permitido realizar?

Gisèle: Ter a licença do mobiliário de Sergio Rodrigues significa, antes de tudo, respeitar a sua criação. É uma honra ter sido escolhida por ele para editar suas peças icônicas com exclusividade. Sou profundamente encantada por seu mobiliário, cada curva, cada encaixe da madeira, a sensualidade das formas. Tenho a responsabilidade de preservar sua obra, sem permitir deturpações, a partir dos seus designs originais e de processos produtivos que ele mesmo desenvolveu.

DW!: Quais as principais peças editadas por você? Alguma traz desafios em especial?

Gisèle: A LinBrasil edita os “clássicos” da obra de Sergio Rodrigues como as poltronas Mole, Kilin e Oscar, os bancos Mocho e Sonia, entre outros. Até a poltrona Diz, criada por ele mais recentemente em 2001, já se tornou também um ícone, adorada por arquitetos e designers do Brasil e do mundo.

Todas as criações do mestre, até as que parecem mais simples, têm, na verdade, detalhes muito elaborados e delicados, especialmente os encaixes dos componentes de madeira. Cada móvel tem seu desafio, para os quais viemos buscando soluções, primeiramente com o acompanhamento do próprio Sergio Rodrigues e também com a dedicação das indústrias parceiras, no investimento em tecnologias e processos artesanais que garantem o resultado fiel ao design original.

DW!: Em 25 anos, quais os grandes desafios de editar um mobiliário tão fundamental para a cultura brasileira?

Gisèle: O importante é a perseverança. O início foi, naturalmente, mais trabalhoso, para encontrar e alinhar o trabalho com indústrias parceiras competentes, que entendessem e executassem os móveis com fidelidade ao design original, e também com lojistas alinhados aos valores de Sergio Rodrigues e da LinBrasil. O maior desafio é sustentar esta visão no dia a dia, em todos os campos do negócio, da criação à gestão.

DW!: Quais os próximos passos ou projetos envolvendo o mobiliário de Sergio Rodrigues?

Gisèle: Entre os móveis de Sergio Rodrigues licenciados para a LinBrasil há alguns inéditos. Estamos trabalhando nestes relançamentos para 2025. Acompanhem a LinBrasil, em breve vamos divulgar.

DW!: Qual a importância de proteger a propriedade intelectual do mobiliário brasileiro?

Gisèle: Este assunto é super importante. Uma cadeira é sempre uma cadeira, tem quatro pés, um assento, um encosto. Mas a pessoa que desenhou cada detalhe daquele móvel passou por uma abstração intelectual que pode ser considerada uma criação artística, além de ser um design industrial. Então, nesses casos, há uma autoria, que precisa ser reconhecida e respeitada.

Proteger o design brasileiro também é proteger a cultura, a alma do nosso país. A poltrona Mole, por exemplo, é reconhecida mundialmente como um dos designs mais relevantes do mundo. Mais do que isso, ela transformou o jeito de sentar, de forma mais relaxada, traduzindo as mudanças culturais dos anos 1960 e 1970. Sua importância no design internacional é inegável. Não podemos permitir, de forma alguma, que seu desenho seja deturpado e desvalorizado.

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