(Quase) centenário e moderno por definição e uso: o cobogó é daqueles elementos na arquitetura que movem a memória de muitos, levam aos ambientes um quê de estilo e ainda cumprem suas funções técnicas. Entre elas, refrescar, iluminar sem desvelar, proteger da insolação em excesso e ser estruturante e leve.
No Recife (PE), o português Amadeu Oliveira Coimbra (CO), o alemão Ernesto Augusto Boeckmann (BO) e o brasileiro Antônio de Góis Cavalcanti (GO) tiraram do papel a ideia engenhosa de criar um elemento vazado e monobloco que pudesse ser industrializado. Nascia o CO-BO-GÓ, patenteado em 1929 – anos antes da sistematização dos brise-soleils por Le Corbusier, como apontam os pesquisadores Egon Vettorazzi, Helenice Maria Sacht, Katia R. G. Punhagui e Patricia S. Teixeira em um artigo para o Vitruvius.
O cobogó é modular e, inicialmente, produzido com concreto. Sua inspiração vem de elementos comuns na arquitetura árabe, como os muxarabis, gelosias, rótulas e urupemas. Essas estruturas estavam integradas às construções portuguesas populares e ganharam espaço no Brasil, especialmente considerando o clima de boa parte do país, úteis no controle da incidência de luz solar e na ventilação dos ambientes. Com a vinda da família real portuguesa para a então Colônia, os trançados de madeira foram refutados e passaram a ser integrados aos projetos elementos como o vidro e os gradis de ferro fundido, próximos à estética industrial e neoclássica.
“Dessa forma, as tradicionais treliças de madeiras, protetoras dos interiores, foram substituídas por caixilharias de vidro miúdo, comprometendo a intimidade dos lares, prejudicando a ventilação cruzada e inundando de luz, nem sempre desejável. A adoção das janelas guilhotina marca historicamente o definitivo declínio da influência árabe nas primeiras décadas do século 19”, afirma o texto dos pesquisadores acima citados.
Popularização
O cobogó buscava a recuperação dos ambientes mais arejados, sombreados e, de certa forma, íntimos. Ao mesmo tempo, estavam contextualizados na nova era da produção em série e em escala urbana, num cenário de regionalização do modernismo. Um dos primeiros edifícios a usar massivamente os cobogós foi a Caixa D’Água do Alto da Sé (1934), projetada pelo arquiteto e urbanista Luiz Nunes (1909-37) em Olinda. Inclusive, o engenheiro Góis, o ‘GÓ’, era prefeito da vizinha Recife à época. A construção tem duas fachadas compostas por cobogós ‘originais’ – com 50 cm de lado e estrutura vazada – emolduradas por empenas cegas sobre pilotis, em uma planta livre.
Mas foi só a partir da década seguinte – e, mais expressivamente nos anos 1950 e 60 – que o cobogó seria de fato incorporado às arquiteturas modernistas e cairia no gosto popular. A disseminação do elemento vazado, agora já estruturado em outros materiais como as cerâmicas, em muito se deve à aplicação do produto nas obras modernistas executadas pela Escola Carioca.
Lucio Costa (1902-1998) e Oscar Niemeyer (1907-2012) são os dois nomes de ponta deste ‘brazilian style’ que seguia (e reinventava) os cinco pontos corbusianos: planta livre, janela em fita, fachada livre, pilotis, terraço-jardim. Entre os arquitetos e urbanistas do movimento estão ainda Ernani Mendes de Vasconcelos (1912-1989) e Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), além de outros nomes.
Projetos como o Conjunto Residencial Pedregulho (Prefeito Mendes de Morais), de Reidy; o Pavilhão Brasileiro para a Feira Mundial em Nova York (1939), assinado por Lucio e Oscar; e a casa Walter Moreira Salles (1948), hoje sede do Instituto Moreira Salles (IMS) no RJ, assinada por Olavo Reidig Campos (1906-84) são apenas alguns exemplos conhecidos da aplicação do cobogó, que ganharia, além de prédios públicos e casas assinadas, os subúrbios e interiores. Até ser relegado, a partir dos anos 1980.
Retomada
Os anos 2000, principalmente a partir de sua segunda década, reabilitaram o interesse pelos cobogós. Ainda interessantes por suas propriedades técnicas – como arejar e iluminar enquanto oferece privacidade –, os blocos vazados agora são também aplicados por questões estéticas e decorativas. Novos materiais, modos de fazer e propostas criaram uma variedade de novas possibilidades em torno das peças, muitas vezes empregadas nos ambientes internos como divisórias. Eles se tornaram um recurso visual e funcional cada vez mais aceito, passando a conquistar também os projetos de alto padrão.
Além da estética, outra atualização importante são os materiais utilizados na produção dos cobogós que se alinham à sustentabilidade. O projeto Utilização de resíduo de construção civil para produção de cobogó de argamassa cimentícia, do pesquisador André Luiz de Paulo Carolino, aponta a possibilidade de uso de resíduos obtidos na cidade de Lorena (SP) para a composição de cobogós, por exemplo.
Outra proposta é a do designer Marcelo Rosenbaum, por meio do Instituto A Gente Transforma, em parceria com o também designer Rodrigo Ambrosio e o artesão Itamácio dos Santos. Nela, o cobogó (foto que abre este texto) é produzido a partir das cascas obtidas no descarte da coleta do molusco sururu, patrimônio cultural imaterial do Alagoas. Os cobogós aplicam a lógica da economia circular e são feitos com 70% de cascas e 30% de elemento cimentício, em formato inspirado no molusco. O projeto recebeu alguns prêmios internacionais, inclusive o iF Design Award em 2022.
Jeitos inventivos de usar
Inspirados nos cobogós, os painéis desenvolvidos em fibra de vidro injetada chamam a atenção na fachada do Hotel Emiliano, no Rio de Janeiro. O projeto (2013) foi desenvolvido pelo Studio Arthur Casas e traz mobilidade para a pele do edifício que, mesmo quando inteiramente fechada, se beneficia pela entrada de iluminação e ventilação naturais.
Anos antes, em 2008, os irmãos Fernando e Humberto Campana haviam desenvolvido a mesa de jantar Cobogó, com tampo orgânico composto pelos elementos cerâmicos terracota. A peça foi apresentada na Object Rotterdam, em 2010, após ser produzida para a Plusdesign Gallery, em Milão, e lançada no iSaloni em 2009.
Os Campana desenvolveram posteriormente, em 2015, a série Cobogó Mão, em parceria com a Divina Terra. A ideia original incluiria a lama de Mariana – após o desastre sócio-ambiental causado pelo rompimento da barragem do Fundão, com rejeitos da mineração. O intento não se concretizou, contudo, pela toxicidade do material. À época, os cobogós com mãos espalmadas – em manifesto – foram usados em móveis, com parte da venda revertida a projetos sociais do Instituto Campana.
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