Paris, em especial a região de Clichy-Batignolles, é o exemplo primordial do conceito defendido pelo professor franco-colombiano da Paris 1 Panthéon-Sorbonne, Carlos Moreno (@carlosmorenofr), que lançou em São Paulo, no dia 7 de maio, seu livro A Cidade de 15 Minutos.
O projeto das cidades de 15 minutos vem sendo implementado na capital francesa em parceria com a prefeita, Anne Hidalgo, que promete utilizar a proposta para a criação de um novo plano urbanístico que seja relevante para os próximos 10 a 15 anos. Mas não é só na capital francesa que a ideia tem sido empregada: Milão, Barcelona e Buenos Aires são outras grandes cidades a buscar inspiração neste conceito. Mas afinal, do que se trata a Cidade de 15 Minutos?
Cidade de 15 Minutos: uma proposta múltipla
Em entrevista ao The Guardian, o professor Carlos Moreno deixa claro que “a Cidade de 15 Minutos não é um plano de trânsito urbano e, sim, uma mudança radical em nossa vida”. Se praticamente todas as metrópoles ocidentais foram projetadas e cresceram sob aspectos do urbanismo moderno, centradas no carro, segmentadas em distritos, subúrbios, áreas ricas e pobres, o pesquisador deseja quebrar esses conceitos fundamentalmente segregadores. A primeira vez que a expressão foi divulgada de forma massiva remonta à COP21, em 2015.
A proposta se baseia em quatro conceitos-chave: ecologia, proximidade, solidariedade e participação. Eles visam melhorar a qualidade de vida tornando os bairros mais plurais social e espacialmente. Aproximando espaços educacionais e laborais, a Cidade de 15 Minutos concentra serviços, lazer, saúde, cultura e tudo o que possa ser interessante para uma vida cotidiana a distâncias curtas, de até 15 minutos, com fácil acesso a pé, de bicicleta ou transporte público. Em resumo, é uma busca pela vida em comunidade, na cidade grande, sem perder as benesses de um centro mais efusivo.
E quais seriam os benefícios? Além de usufruir da proximidade com a família, usar menos o carro e ter o tempo despendido no trânsito substituído por tempo útil de qualidade, a Cidade de 15 Minutos é desenhada para reduzir a poluição e diminuir as áreas gentrificadas, bem como obter mais áreas verdes e ter sucesso na manutenção de negócios de pequeno porte. “Isso cria bairros mais vibrantes”, defende Moreno.
Outro aspecto, ainda mais chamativo, é o que se vê nas margens do rio Sena, em Paris, desde 2016: parques e bares ao ar livre, espaço para pedestres e ciclistas em lugar de vias congestionadas. Uma mudança que, de início, pode ser (e nesse caso foi) refutada por quem está acostumado à lógica do carro e toda a cadeia e os simbolismos que ela alimenta.
A mudança começou no início dos anos 2000, com o então prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, e a vice-prefeita, Anne Hidalgo. Àquela altura, foi instaurado o primeiro grande programa de bicicletas compartilhadas do mundo e o primeiro plano climático da cidade. As iniciativas voltadas à redução no uso de veículos particulares e diminuição de poluentes atmosféricos foi discreta no início. A elas, se seguiu a melhoria da habitação social e a qualidade de vida, em uma agenda que culminou na busca por tornar Paris uma verdadeira Cidade de 15 Minutos até 2030.
Os desafios
Num mundo pré-Pandemia, as Cidades de 15 Minutos eram contestadas pela lógica corporativa. Hoje, num contexto em que o trabalho remoto foi experimentado, a ideia ainda encontra resistência, detratores e ameaças. Em uma entrevista à Bloomberg, Moreno conta que “a essência dessas críticas é, como se diz em inglês, insana — ecocética, antivacina, antidigital. Há pessoas que me chamaram de novo Pol Pot [líder vietnamita do Khmer Vermelho], o novo Stalin”.
Mas a verdade é que Moreno está mais próximo do que a escritora, jornalista e ativista política Jane Jacobs (1916-2006) propunha. No Greenwich Village, em Nova York, Jane observava a vida urbana e criticava os subúrbios com casas unifamiliares, o culto ao automóvel, a desvalorização e esvaziamento dos centros tradicionais, entre outros elementos que fazem as cidades menos gregárias.
Sua obra mais conhecida, Morte e Vida das Grandes Cidades (1961), defende cidades vivas, com gente na rua, comunidades como essência da urbanidade e a razão da segurança e do bem-estar de quem a ocupa. Jacobs parte das pessoas para estruturar as intervenções em uma cidade, compreendendo como vivem. É o que, em princípio, fundamenta o pensamento de Moreno: a habitabilidade e a dimensão humana.

Barcelona: uma nova urbanidade com os gêmeos digitais
A Eurocities é uma rede estabelecida em 1986 que reúne as cidades de Barcelona, Birmingham, Frankfurt, Lyon, Milão, Rotterdam e outras centenas. Em um artigo no site da comunidade, o tema é o planejamento para o futuro urbanístico da capital catalã sob o método Local Digital Twin (Gêmeos Digitais Locais). Nele, cria-se uma réplica digital da cidade em diferentes camadas. O mapeamento é feito pelo Ajuntament de Barcelona em parceria com o Centro Nacional de Supercomputación e a agência de desenvolvimento urbano Barcelona Regional.
Segundo a Prefeitura de Barcelona, “essa prática avançada foi utilizada para verificar se Barcelona atende aos requisitos de prestação de serviços ou instalações para as chamadas ‘cidades de 15 minutos’”. Poluição do ar, ruído, gestão e monitoramento do tráfego, além da movimentação das pessoas são alguns dos parâmetros avaliados. Rotterdam, Utrecht e Flandres também estão desenvolvendo gêmeos digitais.
Mais que mobilidade urbana
Nos Estados Unidos, Portland aprovou o Plano de Ação Climática e há 15 anos aplica o conceito de bairro de 20 minutos como uma das balizas que orientam ações. Tudo para que, até 2030, “90% da cidade pudessem facilmente caminhar ou andar de bicicleta para atender a todas as necessidades básicas, diárias e não relacionadas ao trabalho”.
O plano tem como foco a equidade urbana para o acesso a comodidades e espaços públicos como áreas verdes e de lazer e a redução das emissões de gases do efeito estufa, pela ênfase no uso do transporte público, das bicicletas e de percursos que possam ser realizados a pé. Além disso, o poder público incentiva a construção de moradias populares em áreas plenas em serviços, para que mais pessoas possam acessar facilmente essas comodidades.
A iniciativa de Portland vai de encontro a uma realidade apontada por um estudo da Escola de Arquitetura e Planejamento do MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts: os habitantes urbanos dos EUA percorrem em média de 11 a 14 quilômetros para atender às suas necessidades comerciais e recreativas. Os dados reuniram informações sobre viagens individuais de mais de 40 milhões de dispositivos móveis, analisadas pelo Senseable City Lab, a fim de compreender os padrões de deslocamento locais.
O levantamento presente no artigo The 15-Minute City Quantified Using Mobility Data indica que “o morador médio de uma cidade dos EUA faz apenas 12% de suas viagens diárias dentro de uma distância tão curta [até quinze minutos a pé]”, mas que foi documentada “uma forte correlação entre o uso local e a segregação vivenciada pelos moradores urbanos mais pobres, mas não pelos mais ricos, o que sugere que as cidades de 15 minutos também possam exacerbar o isolamento social de comunidades marginalizadas”.
Por isso, talvez, o projeto de Carlos Moreno foque de maneira tão intensa na miscigenação de moradias populares em bairros considerados ricos e áreas apotadas como nobres das cidades, como observado no exemplo primeiro aqui citado, de Clichy-Batignolles em Paris.
Clichy-Batignolles
O eco-distrito ocupa 54 hectares dos antigos pátios ferroviários da SNCF – Société Nationale des Chemins de fer Français, à noroeste do 17º arrondissement, com cerca de um quarto da área (100 mil m2) dedicado à área verde do Martin Luther King Park. A região combina serviços públicos e privados; espaços culturais e de lazer; acesso a trens locais e regionais, metrôs e bondes, com circulação de carros e caminhões particulares limitada e com velocidade máxima de 30km/h; espaços para escritórios e comércios e, claro, moradias. No Clichy-Batignolles, são 3,4 mil unidades, sendo 50% sociais, 30% próprias e 20% destinadas a aluguel, limite que não pode ser ultrapassado.
Os edifícios foram projetados para serem energeticamente eficientes, com menor necessidade de aquecimento ou uso de ar-condicionado. O aquecimento dos ambientes e da água é 85% gerado pela energia geotérmica, enquanto que 40% do consumo de eletricidade são supridos por 35 mil m2 de painéis fotovoltaicos. No Clichy-Batignolles, as áreas verdes extrapolam o parque e alcançam espaços dentro dos blocos habitacionais, para melhorar a permeabilidade do solo. Além disso, há 26 mil m2 de telhados verdes, sendo 8 mil deles, acessíveis. Por fim, o lixo é coletado em pontos ‘a vácuo’, que compactam os resíduos antes da destinação de descarte. Parece um sonho?
É verdade que Paris, apesar de ser a cidade pais populosa da França, tem uma população de cerca de 2,1 milhões de pessoas, enquanto a Île-de-France, região onde se localiza a capital francesa, conta com cerca de 12,2 milhões de habitantes. Os números são muito menores que os registrados por cidades como São Paulo, por exemplo.
A metrópole paulista tem uma população de 11,4 milhões de pessoas, segundo o Censo (2022) do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O levantamento indica, ainda, que a região metropolitana comporta cerca de 21 milhões de habitantes. Aqui, para que se aplique o conceito da Cidade de 15 Minutos, os desafios são igualmente superlativos e precisam levar em conta uma série de aspectos econômicos, sociais e culturais, com diversos desafios. Será que o professor Moreno ou outros estudiosos teriam algum caminho a indicar para esta e outras cidades brasileiras?
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