No cinema, pode-se dizer que 99% do que aparece no filme é deliberado: todos os elementos convergem para como se deseja contar uma história e levar ao espectador sensações, atmosferas, características de épocas e personagens.
Grande parcela da materialização da proposta de cada filme, desde cenários, objetos e locações, até cores, roupas, maquiagens e efeitos, está sob a tutela direta da Direção de Arte, também conhecida como Design de Produção. A DW! escolheu alguns longas e pediu para o diretor e roteirista Fernando Honesko indicar outros três diretores e algumas de suas obras que também valem pela composição arrebatadora. Pegue a pipoca, aproveite a leitura e veja (ou reveja) essas películas que marcaram os últimos 70 anos da sétima arte.
Laranja Mecânica (1971)
Escolhemos Laranja Mecânica, mas poderíamos ter trazido outros filmes dirigidos por Stanley Kubrick que deixaram uma marca estética de peso na história do cinema, como 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) ou O Iluminado (1980). Laranja Mecânica – no original A Clockwork Orange – trata da violência em diversos graus, do indivíduo ao Estado, passando pela conjuntura social, de gênero e outros contextos.
O personagem central é Alex DeLarge (Malcolm McDowell), que lidera uma gangue vestida de branco, que bebe leite (aparentemente inocente) aditivado com drogas e em busca de praticar a ‘ultra-violência’. No correr do longa, o design de cena conduzido por Russell Hagg e Peter Sheids mostra ambientes externos com muito concreto e certa aridez e sujeira, que criam uma atmosfera de desamparo e crueza.
Em paralelo, os espaços internos exibem objetos eróticos e fálicos, mobília futurista e cores intensas em contraponto ao branco, como nos figurinos e na casa Skybreak (1965-6). Localizada em Hertfordshire, a casa foi desenhada pelo Team 4 – Su Brumwell, Wendy Cheeseman, Norman Foster e Richard Rogers – e usada como locação. O impacto da estética apurada de Laranja Mecânica é tanto, que 50 anos após seu lançamento continua pop.
Onde assistir? Amazon Prime Video; Apple TV; HBO Max; Google Play Filmes e TV; Youtube.
Dobradinha Almodóvar
“Acho que do ponto de vista da direção de arte, não tem como não falar dos filmes do [Pedro] Almodóvar na história recente do cinema, porque todos os filmes dele têm uma força enorme no uso da arte, dos adereços, do figurino e uma fotografia super saturada, que representa muito a intensidade das personagens”, analisa Fernando Honesko, que assina o roteiro do longa Curral (2020), com direção de Marcelo Brennand.
Para o diretor e roteirista, “a exposição do melodrama que orienta as tramas dele é feita, sobretudo, visualmente” e indica Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e Fale Com Ela (2002) como bons exemplos da estética almodovariana. No primeiro, a história de desenrola sobre o desejo de Esteban em se tornar escritor e descobrir a identidade (e os segredos de seu pai), guardados pela mãe, Manuela. Enquanto no seguinte, dois homens desenvolvem uma amizade enquanto cuidam de duas mulheres em coma e tal encontro altera suas percepções sobre a vida.
Onde assistir? Fale com Ela – Amazon Prime Video; Apple TV; Google Play Filmes e TV; Netflix; Youtube. Tudo Sobre Minha Mãe – Amazon Prime Video; Apple TV; Google Play Filmes e TV; Telecine; Youtube
Dogville (2003)
Experimente fazer uma busca por ‘Dogville + direção + arte’ via Google. Você vai encontrar uma série de pesquisas e artigos produzidos em diversas universidades. O motivo? O longa de Lars von Trier é pouco usual, altamente filosófico e se passa em um não-cenário, uma espécie de mapa/planta-baixa da cidade que dá nome à obra e onde apenas alguns móveis, fragmentos construtivos e objetos são ressaltados como em uma peça de teatro.
A escolha traz de forma gráfica um dos elementos-chave do filme: o fingimento. Pelas ausências nesse único contexto cênico, são questionadas as verdades manifestas e a dicotomia entre real e abstrato. Mas nesta comunidade, também, as paredes imaginárias deixam transparecer (ao espectador) as emoções e mazelas humanas. Ainda não assistiu? Ficou com vontade de rever? Cinema e realidade serão questionados na mise-en-scène dessa obra.
Onde assistir? Amazon Prime Video.
Fellini e o ‘cenário vivo’
A Dolce Vita (1960) e 8½ (1963), bem possivelmente, são os dois filmes mais conhecidos do diretor italiano Federico Fellini (1920-93). Mas o nostálgico Amarcord (1973) arrebatou, além dos Oscar de roteiro original e direção – vencidos pelos três – o prêmio de Melhor Direção de Arte.
“O uso exacerbado da arte e dos figurinos me inspira no Fellini, mas uma coisa visual ainda mais interessante é o trabalhar com o elenco, principalmente os coadjuvantes, com especial atenção. Personagens como a Volpina e os alunos e professores da cena da escola do Amarcord e a Saraghina do 8 1/2 são exemplos disso”, conta Fernando. Que continua: “[o Fellini] fazia anúncios no jornal e recebia fotos para selecionar os figurantes, [assim] compunha o elenco como se fosse parte viva do cenário, dentro da linguagem do filme”.
Onde assistir? 8 1/2 e A Dolce Vita – Amazon Prime Video; Telecine. Amarcord – Amazon Prime Video; HBO Max.
Grand Hotel Budapest (2014)
O filme de Wes Anderson conta as aventuras de Gustave (Ralph Fiennes), concierge do hotel que dá nome à obra, na ficcional República de Zubrowka, entre a Primeira e a Segunda Guerra, e é apenas um exemplo da estética criada pelo cineasta. Meticuloso, em busca da precisão e da simetria, Wes tem uma assinatura estética marcante.
Um acento onírico é dado pelos cenários e objetos com inspiração Art Nouveau, explorando as cores com maestria e saturação. Tudo nos leva à acentuação de características das personagens, do tempo e da história, com um quê de ilustração para livros infantis.
Não por acaso, a arte do longa, assinada por Adam Stockhausen, arrebatou os prêmios de melhor Direção de Arte no Oscar, Bafta e Critics’ Choiche Awards e o ADG Award de Melhor Design de Época. Os tons lavados de rosa, magenta e azul, os figurinos impecáveis e cenários influenciados pela plástica soviética se alinham com a fotografia e são responsáveis por boa parte do arrebatamento da trama.
Onde assistir? Star +.
Paul Thomas Anderson e a crueza do simples
“Particularmente, tenho uma admiração imensa pelo modo que o Paul Thomas Anderson trabalha a arte nos filmes dele”, afirma Fernando. Um dos filmes assinados por Anderson e citado pelo diretor e roteirista é Sangue Negro, um faroeste de 2007, baseado no romance de 1926, Oil!, escrito por Upton Sinclair. A obra trata de um drama pessoal fomentado pela cobiça, mas representa uma alegoria da posição norte-americana na contemporaneidade.
“O filme tem uma construção de época dos campos de petróleo do Texas que é absurda. E, por vezes, é super simples: dou como exemplo a cena em que o Paul Dano [que interpreta Paul Sunday / Eli Sunday] faz o discurso religioso dentro da igreja. É só um barracão de madeira, mas é tão representativo do espírito daquele personagem, que eu acho uma cena assombrosa”, resume.
Onde assistir? Amazon Prime Video; Apple TV; Netflix.
A gente sabe, essa lista poderia ser imensa! Então deixe suas sugestões de filmes e para novos conteúdos como esse. Para receber notícias sobre o universo do design em primeira mão, assine a newsletter da DW!, que tem uma edição especial todas as segundas-feiras.