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Cerâmica contemporânea: conheça o trabalho de Denise Braune

15 de junho de 2021 | por redação DW! | Foto: Luiza Chataignier

A grande riqueza da cerâmica é que uma peça nunca sairá exatamente igual a outra, pois são feitas uma a uma. Essa é uma frase que a ceramista Denise Braune costuma dizer quando perguntam sobre seu trabalho.

Com formas simples, suas criações valorizam a natureza da argila, expressando a singularidade do fazer manual em peças cheias de personalidade e delicadeza. O torno é sua ferramenta de trabalho. A técnica exige bastante atenção e concentração. “Cada peça passa por um processo de fabricação que pode variar entre 5 a 7 etapas – algumas mais longas, como a secagem, e outras mais curtas, como sovar a massa”.

Carioca nascida no Grajaú, um bairro muito bucólico da Zona Norte do Rio de Janeiro, Denise desenvolveu uma longa trajetória acadêmica antes de se dedicar à cerâmica. Sua história com a argila começa em 1978 e, entre idas e vindas, toma fôlego em 2019. Hoje, Denise tem a cerâmica como atividade principal e divide seu tempo entre um ateliê no campo e outro na cidade.

Na entrevista a seguir, ela compartilha sua trajetória, fala sobre processo criativo e produção e ainda dá dicas para quem quer começar a trabalhar com cerâmica.

 

Denise em seu ateliê – Foto: Vitória Murta | Peças da coleção Abraço – Foto: Luiza Chataignier

1. Qual é a sua primeira memória quando falamos em cerâmica?

A minha primeira memória quando eu falo de cerâmica foi em 1978 lá na Escolinha de Arte do Brasil, quando eu tive a minha primeira experiência com a argila. Fiz um grande lagarto. Esse grande lagarto me disse: “olha, ele está dentro de você e você pode desenvolver isso”. Nesse dia fiz uma promessa de que, no futuro, eu retomaria essa atividade como algo importante.

Naquele momento não seria possível trabalhar com a cerâmica, eu era muito jovem, queria ter filhos, me formar. Não seria possível sobreviver da arte de fazer cerâmica. Naquela época a arte não era vista como é hoje. Ela não entrava na vida das pessoas como entra hoje – por causa da internet, que nos invade e a arte vai junto, isso é maravilhoso. Naquela época a arte era mais marginal, hoje ela está mais inserida.

2. Qual foi a primeira peça de cerâmica que você lembra de ter notado?

A minha primeira peça de cerâmica, o lagarto, me impactou. Antes dele, eu havia feito uma bola e entendi que essa bola era a síntese de tudo que eu precisava fazer na minha vida e até hoje carrego esse elemento. Nas aulas de cerâmica que dou no ateliê, a bola é o começo. Eu acho isso tão simbólico, porque é a bola, o início de tudo, o ovo, é o princípio. Acho que a bola não só me ajudou a compreender o que era a cerâmica, como eu também ajudo as pessoas a entenderem como é a cerâmica a partir desse princípio. Nesse processo de produção da bola tem muitos conceitos embutidos e eu gosto de passar essa experiência para as pessoas, acho que aprendo sobre elas e elas aprendem sobre cerâmica.

2. Como começou a sua história com a cerâmica? Como tudo aconteceu?

Depois da experiência na Escolinha de Arte do Brasil, em 2009, tive minha primeira vivência dentro do ateliê da Márcia Limani, em Laranjeiras. Mas naquela época eu não tive condições de dar continuidade porque eu estava muito envolvida ainda com minha carreira em Direito. A experiência foi adiada. Em 2012, volto a fazer cerâmica absolutamente como hobbie. Na época, minha professora me falou assim “Não vai pensando que é fácil cerâmica não, não vai querer fazer isso da sua vida porque ganhar dinheiro com cerâmica é difícil”. Eu disse “Não, claro que eu sei disso, óbvio, eu nem pretendo, eu tenho minha profissão onde eu ganho meu dinheiro”.

E com o tempo as coisas foram mudando e, de repente, as pessoas começaram a pedir pra eu fazer mais peças de cerâmica e eu fui fazendo e vendendo e foi ficando cada vez mais sério. Depois, por intermédio da minha filha, tive a oportunidade de apresentar meu trabalho para um grupo de arquitetos e designers de interiores da CASACOR Rio. Nina me deixou esse legado. Ela faleceu em 2018 e me deixou um grupo social de arquitetos muito grande e isso vem impulsionando e promovendo a visibilidade do meu trabalho.

Uma das coisas que me fez firmar mesmo na cerâmica foi a meditação, que me trouxe essa introspecção e a cerâmica foi a ferramenta dessa introspecção. Na verdade não sei quem foi a ferramenta de quem, mas as duas juntas funcionaram muito bem.

3. O que lhe encantou nesse encontro com a cerâmica?

O que me encantou na cerâmica foi, desde o início, essa possibilidade de um mergulho interior. Eu acho que as pessoas quando buscam hoje em dia a cerâmica, elas intuem que esse material tem essa possibilidade. O mundo que a gente está vivendo hoje nos conduziu para esse lugar, o lugar do encontro com a gente mesmo e a cerâmica passou a ser uma grande ferramenta para esse mergulho.

 

Castiçal com vela I e II | Jarra em terracota com parte interior com esmalte branco acetinado | Fotos: @ocre_

4. Como é seu processo de criação?

O meu processo de criação é dinâmico e intenso. Ele está na minha vida. Enquanto eu tomo café da manhã eu percebo alguma coisa, eu fotografo aquela coisa, aquilo adere ao meu arquivo de imagens e, esse arquivo de imagens, ele é constituído de memórias de viagem e do meu dia-a-dia. Quando digo viagem, não me refiro a somente sair de um lugar. Para mim, viagem também é andar na rua, observar o que se passa quando ando de ônibus ou carro, é entrar numa rua que eu nunca entrei, é ver uma pessoa que nunca vi, é olhar para um objeto do dia-a-dia como nunca olhei. É sempre um olhar novo que eu consigo imprimir ao objeto e fazer ele me dizer alguma coisa. A partir disso vou construindo essas imagens dentro de mim e, aí sim, eu me sento no torno. E é quando me sento no torno que a coisa sai e vai refletindo todo esse pensamento, vai refletindo todo esse sentir. Na verdade o trabalho é esse, é refletir esse sentir.

5. Quais tipo de materiais você usa? Como é a coloração?

O material que uso é basicamente o barro em quatro cores. São tons que elegi para minhas criações. O tabaco que é uma cor bem próxima ao concreto (mas não é concreto, felizmente tem muito da terra). As demais cores são o terracota, o branco e o preto.

Foto: Produtora Ubuntú

6. E sobre produção: quais ferramentas são usadas, existe molde para dar forma às peças, quanto tempo de produção?

Elegi o torno como a minha ferramenta principal. É lógico que, pra gente trabalhar com o torno, outras ferramentas se aderem. Muitas vezes eu faço placas, que também ajudam nesse processo, muitas vezes uso a extrusora, mas como ferramentas complementares. A minha ferramenta principal é o torno mesmo. Não trabalho com moldes, eu nunca fiz moldes. Até tenho vontade, mas nunca fiz.

Essa questão do tempo depende muito, depende do tamanho da peça, de tudo. Entre produção, secagem, acabamento inicial, queima no forno, mais uma secagem, outro acabamento, lixa, esmaltação e outra queima, costuma ser um prazo de quarenta e cinco dias. Até porque tem sempre uma quebra no meio desse processo e eu gosto de fazer com calma. Mas se a ideia é fazer uma produção direta, acho que em vinte dias é possível fazer uma peça.

7. Qual sua criação favorita e por que?

Na verdade eu vou responder dizendo qual é a minha obra favorita, porque muitas vezes eu faço coisas que não são propriamente criação final e que eu adoro, como são os Voids. Os Voids são peças separadas, que estão em constante evolução, às vezes eu as reúno para a criação de uma outra obra, elas estão em movimento constante.

Os Voids de Denise Braune | Foto: Produtora Ubuntú

 

Mas uma obra que me deu muito prazer em fazer foi a Série das Coras. Elas surgiram no momento da pandemia, quando estávamos ainda no início, com aquela pressão interna sem saber o que era aquilo que estava acontecendo no mundo. E isso se refletiu dentro de mim mesma e eu expressei daquele jeito, com as Coras. Elas foram importantes por isso, porque elas refletiram muito delicadamente um momento de muita pressão.

 

Peças da série Coras

 

8. Você já expôs suas peças em outros países. Como isso aconteceu?

Minha primeira exposição foi na World Ceramic Art & Craft Biennale 2017, na Bélgica – uma bienal internacional com o tema Bottles and Boxes (Garrafas e Caixas). Eu tinha acabado de chegar de uma viagem à Stoke On Trent na Inglaterra. Lá, vi fornos enormes onde garrafas eram queimadas. Fiquei com uma imagem muito forte daquilo e quando retornei ao Rio, comecei a reproduzir essas garrafas. Quando surgiu a bienal como o tema Bottles and Boxes, logo pensei que essas garrafas que estava produzindo se encaixavam bem. O resultado? Três peças foram premiadas com medalha de bronze como o Melhor Trabalho logo na minha primeira exposição. Isso me estimulou bastante e acho que por causa disso mesmo eu decidi levar a cerâmica mais a sério.

Em 2019, quando ainda estava bem no iniciozinho da cerâmica, decidi cumprir uma promessa que tinha feito em 2013, quando visitei a Bienal de Cerâmica na Romênia e tive o desejo de voltar um dia, mas como expositora. Então me apliquei na Bienal da Romênia e meu trabalho – Towers Over Clouds – foi selecionado.

Towers Over Clouds – Foto: Produtora Ubuntú | Bottle Oven – Foto: Luciana Selva

9. Como são suas experiências com as aulas e cursos que você ministra?

Aqui no meu ateliê, que é um espaço pequeno, tenho quatro alunos por turma no máximo. Eu tenho um processo pedagógico muito bem estruturado, conheço muito bem como são os processos criativos, como essa construção se dá dentro de si. Eu observo muito o aluno. Começo com a bola pra conhecer o aluno. A bola na verdade é a minha anamnese, com a bola eu faço uma anamnese do aluno, enquanto ele também está conhecendo a cerâmica pela primeira vez. Daí eu vou descobrindo as habilidades dele, vou entendendo o que que ele pretende com a cerâmica, se ele quer fazer uma cerâmica utilitária ou artística, se ele está afim de fazer um mergulho em si mesmo, qual é o objetivo dele na cerâmica, eu vou descobrindo por ali.

Claro que antes a gente tem uma conversa, mas ela nunca é o suficiente porque a pessoa não se abre totalmente. Eu vou iniciando o aluno nas diferentes técnicas mas me preocupando sempre com que ele coloque ali o desejo dele, o que ele pretende com a cerâmica, o que ele quer, o que ele gostaria, então vai variando. Algumas pessoas sentem necessidade de alguma coisa mais orientada, outras pessoas querem fazer as suas próprias viagens e a gente tem que ir percebendo o que que cada um quer para poder conduzir bem esse processo e deixar todo mundo à vontade. Algumas pessoas são rápidas, outras são mais lentas, umas têm mais dificuldade, outras não. Eu trabalho não só com a modelagem mas também com o torno. O torno é de fato uma ferramenta mais difícil, mas algumas pessoas têm concentração e habilidade o suficiente para aprendê-lo rápido.

9. Qual conselho você daria para quem quer começar a trabalhar com cerâmica?

O conselho que eu dou pra quem quer começar a trabalhar com cerâmica é: não tenha pressa. Procure ter um cuidado com a cerâmica; na verdade um cuidado com o barro, com a argila. Tenha tempo para conhecer a argila, tempo para entender os seus processos, para buscar o seu fio condutor de si mesmo. Porque hoje a internet está lotada de gente fazendo cerâmica e reproduzindo as mesmas coisas. Então, se você quer ser um ceramista com personalidade, um ceramista que fala a própria língua, você tem que ter paciência consigo mesmo. Tem que ter muita introspecção, muitas experiências individuais e fechar um pouco os olhos para o ambiente externo e buscar dentro de si os elementos que estão todos construídos para assim, ir ao encontro deles.

 

Lançamentos assinados por Denise Braune na mostra “A Casa de Quem Cria”

 

 

Agora, inspirada nos movimentos sinuosos do mar, Denise Braune desenvolveu a coleção Mediterrâneo composta por vasos, castiçais, suporte para livros e esculturas. Clique aqui e confira todas as peças.

 

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